Find Me
- Chouse
- 13 de abr. de 2021
- 9 min de leitura
Atualizado: 7 de ago. de 2021
Autor: André Aciman
Esta edição: Farrar, Straus and Giroux, 2019
Língua: Inglês
ISBN: 9780374909819

À semelhança de Call Me By Your Name, Find Me, de André Aciman, divide-se em quatro partes e cada uma tem um título que se relaciona diretamente com a respetiva narrativa. Uma grande diferença entre estes livros é que, no primeiro, o autor autodiegético é sempre o Elio. Aqui há múltiplos autores autodiegéticos.
A primeira parte, Tempo, tem como narrador Samuel Perlman, pai de Elio, que encontra uma rapariga no comboio, Miranda, com a qual sente uma imediata conexão e atração. É um amor à primeira vista, mas um segundo amor. A personalidade de Samuel é completamente diferente de Samuel em Call Me By Your Name. Alguns comportamentos básicos ainda aparecem, como a habilidade de ler pessoas e ainda transmite a mesma sensação de sabedoria, que se vê na facilidade com que lê Miranda, "Is it that you don't like people, or that you just grow tired of them and can't for the life of you remember why you ever found them interesting?" p.10. Miranda enquanto personagem é impulsiva e irresponsável em todas as vertentes da sua vida tirando no que toca a cuidar do pai e a tirar fotografias, abandonando namorados, tendo problemas com intimidade, I can't stand being by myself yet I can't wait to be alone. Mas a intimidade com estranhos é algo mais seguro, porque não se sabe se os vamos ver outra vez, não temos o medo de os magoar ou desapontar. No entanto, com a conexão sentida, a impulsividade contagia Samuel imediatamente, infiltrando-se, por convite, na festa de anos do pai de Miranda, e a conexão entre ambos leva a um fim-de-semana louco e apaixonado entre ambos; algo que parece ser um modus operandi diferente para Samuel, que costuma ficar na sua cabeça cheia de “e se” com destinos diferentes, mas sem realmente persegui-los. Que o deixa com vigílias, como ele e o Elio chamam, que é nada mais nada menos do que ghost spots. Uma procissão pelos lugares marcados por amores passados que nunca resultaram.
O assunto “tempo” aparece referido em muitas situações diferentes mas sempre com o tema de que o tempo é incontrolável, que não volta atrás, mas que não anda a nosso lado. É este o problema de Miranda e Samuel, e de Elio e Oliver. O entrave é o tempo que nos faz escolher o banco na margem errada, não nos deixando viver a vida por completo (aqui uma pequena ode ao monólogo de Samuel em Call Me By Your Name); faz-nos desperdiçar tempo, como no caso de Elio e Oliver; que nos separa de um verdadeiro amor, pois durante metade da vida de um, o outro não existia, como Samuel e Miranda; que nos separa de uma simplicidade e juventude, de uma pessoa que achávamos que éramos e que não nos apercebemos da mudança até ser tarde de mais e gostaríamos de rodar os ponteiros ao contrário, embora possa ser assustador voltarmos ao que éramos e nos perguntamos se queremos mesmo voltar, I may never want to be who I was in those days, but I do want to see him again. p.62. O tempo também não se faz sentir muitas vezes. Um tema explorado em Call Me By Your Name era a discrepância de idades, que aqui foi acentuada, mas que é compreensível, de certa forma. A nossa idade física nem sempre corresponde à nossa idade mental; podemos acordar com 20 anos, e conhecer uma pessoa nova e sentimo-nos como se tivéssemos 15 de novo, ou chegamos a casa e jantamos com os gatos e temos 60. Temos um acesso a todas as pessoas do passado e de um futuro imaginado que nos fazem nós. Que foi como Samuel se sentia com Miranda: Okay, I am fourteen now! e a forma como Elio e Samuel interagiram no fim desta parte, Elio, o filho, a ter mais maturidade no amor do que Samuel, o pai. Provavelmente devido a um amor diferente. A fase de lua-de-mel foi mais madura com Elio e Oliver, do que a verde e repentina lua-de-mel de Samuel e Miranda.
A forma descrita para combater este marchar do tempo são as vigílias, os ghost spots, uma manifestação física de onde o tempo para. Nas memórias e sentimentos, que podemos guardar para sempre na arte, para podermos marcar outras pessoas. Elio no piano, Miranda nas fotografias. I’ve taught you how to earmark moments where time stops, but these moments mean very little unless they are echoed in someone you love. p.113.
A relação entre Miranda e Samuel parece-me um bocado forçada. Não flui na escrita tão bem como Elio e Oliver, existindo momentos constrangedores, como Miranda intrometer-se na vigília, fazendo-me perguntar se é amor, à vezes, ou um desejo de algo queo outro pode dar. Um desejo de mudança, de um abanão no mundo, um sinal para largarem os arrependimentos e o banco errado.
Há muita comparação entre Elio e Miranda, principalmente no que toca às ondas de corpos que passam pela cama de ambos, ou o facto de não encontrarem ninguém, provavelmente por estarem presos a um amor do passado ou a um amor não correspondido; It’s those we lost or who never knew we existed who leave their mark, p.11. No entanto, há mais comparações e desenvolvimento de personagens que são levados com demasiada leviandade. Como violência na cama, e um gosto pelo sabor a sangue, e a uma experiência que a Miranda teve com, na minha opinião, violação e sentimentos de incesto(p.86).
O fim desta parte acaba com uma vontade de Samuel e Miranda irem para a casa de Samuel e começarem uma vida junta, e com Elio a ser assombrado com um sentimento de “find me”, volta a amar ou volta para um amor perdido, que Elio nunca teve a coragem de fazer.
A segunda parte, Cadenza, é narrada por Elio, um ano depois da primeira parte, onde é pianista, professor numa escola de piano em Paris. Num concerto numa igreja, conhece Michel, com o dobro da idade, e numa vigília relacionada com o pai. Existe uma atração instantânea, indo jantar, mas não avançando mais do que isso. Fazendo planos que sabem que não vão ser cumpridos. Mas Michel tem um traço impulsivo, embora reservado, e uma crença no destino, So if it wasn’t fate, what brought you here tonight?, acabando por o guiar a não desperdiçar oportunidades. Não escolher o banco errado.
A forma como Elio é desenvolvido no início desta parte não faz lembrar Elio. Parece mais jovem, ingénuo, do que alguma vez pareceu, tanto em Find Me como em Call Me By Your Name. Elio mantém uma guarda, uma barreira entre si e Michel, dizendo que não tem relações ocasionais, sendo isto uma faceta só para Michel. No entanto, Elio é mais impulsivo e mais aberto, parecido com Samuel, sendo, por vezes, difícil de distinguir estas personagens, provavelmente por ter largado o peso de algumas emoções que carregava, tentando sair do casulo em que estava. Ou, se calhar, o Elio parisiano vigílias é diferente do Elio romano com vigílias. Na verdade, se comparamos Elio com If you only knew how little I know about the things that matter com este Elio com Because it [telling them about you] matters, that’s why, vemos claramente o crescimento da personagem neste quesito.
Cadenza é uma improvisação em música clássica que é frequentemente baseada em temas que foram expressados anteriormente. Durante esta parte, existem muitas dessas referências. Michel é para Elio o que a mãe deste foi para Samuel; Michel lembra Oliver, com a idade e com parte da conexão entre ambos; A impulsividade de Miranda, de Michel, de Elio, de Samuel que leva ao improviso da vida; As ligações entre o funcionamento do tempo e do sentimento da idade com o destino, podendo mover-se em qualquer direção, Fate works forward, backward, and crisscrosses sideways and couldn’t care less how we scan its purposes with our rickety little befores and afters., partilhando uma outra característica que é a repetição de momentos e de relações, You know, life is not so original after all. It has uncanny ways of reminding us that, even without a God, there is a flash or retrospective brilliance in the way fate plays its cards. E, claro, cadenza. A misteriosa cadenza que foi oferecida ao pai de Michel e que os lea numa luta contra o tempo que passara para descobrir quem foi a pessoa que a transcreveu e o seu sentido. A questão que originou o título do livro é referida outra vez, mas mais abrangente. O find me é encontrar algo que faça a vida fazer sentido. Alguém com quem partilhá-la, não só viver para o trabalho ou para uma vida vazia. Foi durante este período, e com isto em mente, encontrar um closure e tentar criar uma relação com Michel, que Elio vai ter com Oliver, embora nenhum amor possa ser substituído. No entanto, Michel sabe que Oliver é que é para Elio, e não ele, provavelmente por os amores serem diferentes e terem pesos diferentes na nossa vida.
Um defeito observável em Michel é o tom condescente quando fala sobre a geração de Elio, este não gosta disto. Faz-o sentir inferior nas suas escolhas ou como se não fosse maduro o suficiente ou experiente o suficiente para saber o que quer. Não é a idade que importa mas a personalidade e a maturidade que não vem com a idade. Se olharmos para as amizades construídas fora do ambiente escolar, vemos que não têm um limite de idade máximo ou mínimo para uma pessoa se relacionar ou rever noutra. A conversa de Michel é muito abrupta, também, cortando muitas das vezes ideias próprias ou do Elio com assuntos diferentes.
A terceira parte, Cappriccio, é narrada por Oliver, numa festa de despedida da universidade. Oliver está interessado num homem, Paul, e numa mulher, Erica, imaginando o que seria tê-los ambos nas sua cama, embora seja casado. A relação entre Oliver e Micol é semelhante à de Samuel com a ex-mulher. Não existe um amor profundo ou uma paixão louca. É um trabalho de equipa em primeiro lugar, a paixão vem em segundo. Provavelmente porque foi uma casamento para apaziguar o pai de Oliver e não porque era quem ele amava de verdade, especialmente depois do verão com Elio. Oliver vive com caprichos imaginários, vontades de sair da sua vida e voltar para Elio e Itália. Quando Paul tocou Cappriccio, de Bach, fazendo-lhe lembrar do pianista italiano, Oliver decide mudar de vida e abandonar a mulher; a fim ao cabo, a música tem a capacidade de melhorar vidas de mudar vidas e de ser um ghost spot moóvel, guardando memórias e trazendo-as de volta à «vida», Or was just music just a premonition of this thing called life, life made more palpable, life made more real – or less real – because there was music and incantation trapped in its folds?
É um capítulo em que Oliver, depois do encontro com Elio, se apercebe outra vez que não está mesmo a viver, está no banco errado, a viver de desejos para afogar a solidão que sente, às vezes com uma conversa mental com Elio, só para fingir que o que vive está a resultar para ele. Mas o que interessa, o que realmente interessa, já passou por uma vida não vivida, algo que parece impedi-lo. Assim Cappriccio, de Bach, é um adeus a uma vida em New Hampshire, um adeus a uma vida vazia, um adeus a uma vida de verão com Elio, para poder dizer olá a uma eternidade com Elio.
A quarta parte, Da capo, é uma parte de novo narrada por Elio. Da Capo significa “do início”, algo que audiência exclama quando quer ouvir uma peça de novo. Nesta parte, Elio e Oliver estão de novo juntos na casa de praia italiana, com a mãe que está demente, com Miranda, e com o filho desta com Samuel, o pequeno Oliver de 7 anos. No entanto, este da capo não pode ser uma verdadeira repetição. Com o tempo, que passou recomeçar onde pararam já não é possível; ambos mudaram durante os 15 ou 20 anos afastados, e Oliver não quer viver no passado, nem voltar atrás, que nos faz lembrar sobre a frase de Samuel na primeira parte: I may never want to be who I was in those days, but I do want to see him again. Isto seria desperdiçar mais tempo do que já foi desperdiçado. Mas será que foi mesmo desperdiçado? Elio acredita em destino agora, e com find me when the time is right a seguir-nos através do livro, a ideia que se levanta é que o tempo não foi desperdiçado, mas que precisavam desse tempo até estarem na mesma página. Até se encontrarem.
O livro, no geral, ficou aquém das minhas expetativas. A prosa de Aciman não é, na minha opinião, completamente aproveitada neste tipo de narrativa, em que há mais ação e pouca retrospeção, introspeção e nostalgia, que era o que Call Me By You Name denotava. No entanto, o fim do livro tem mais este sentimento do que o início. Provavelmente porque não são tão impulsivos, como nas outras situações ou como Miranda e Samuel. O livro inteiro transmite uma sensação de tristeza e recomeços, de estarmos a ver um filme e não de estarmos a ler o diário de alguém.
O tema está assente, fortemente, na forma como o tempo e o destino, este se for real, são transcendidos por o que é, para o autor, verdadeiro amor, verdadeira intimidade, que, embora seja uma tema já bastante explorado no primeiro livro, é, aqui, explorado em diferentes relações e dinâmicas e complexidades, embora gostasse de ver estas complexidades mais exploradas e aprofundadas. Miranda e Samuel parecem ser a epítome destes assuntos. Da impulsividade, do «encontra-me quando o tempo for certo», de aproveitar o tempo enquanto ainda o temos.
O autor deixa passar muito dele para as personagens, então as características “académicas” parecem sempre iguais na filosofia que exprimem. As personagens não puxam muito uma pela outra, a não ser na impulsividade. Mesmo com o decrescer desta ao longo do livro. No entanto, existe uma ótima maneira de manter a continuidade, mesmo com saltos temporais, como a referência a novembro, de portas francesas, e de lagos, ou seja, na referência de símbolos de cada parte.
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