Call Me By Your Name
- Chouse
- 4 de abr. de 2021
- 9 min de leitura
Atualizado: 6 de ago. de 2021
Autor: André Aciman
Esta edição: PICADOR, 2017;
Língua: Inglês.
ISBN: 9781250168440

O livro, escrito por André Aciman, é dividido em quatro partes, os títulos de cada parte apontam para o desenvolvimento da relação entre Elio e Oliver, escrito do ponto de vista de Elio, como um autor autodiegético.
A primeira parte é dominada por uma única frase, que o Oliver proferiu uma vez, e que assombra Elio: If not later, when? Desde o momento que Elio vê Oliver, desde que ele começou a identificar os sentimentos, a dança de dizer/não dizer, fazer/não fazer, if not later, when dominou-o. Na mente de Elio, Oliver não fazia esta dança, simplesmente ia atrás do que queria, de quem queria, parecia mais livre. Esta dança e descoberta levou Elio a ponderar na pergunta, se não o fizer depois nem o fazer agora, quando é que irei admitir e ceder estes sentimentos, ou vou deixar algo assim passar e acabar sem nunca saber quando irei encontrar alguém que me faça sentir assim?
É durante a segunda parte, Monet’s Berm, que Elio finalmente se liberta, admite o que sente e o leva ao sítio em que Monet costumava pintar, o seu sítio onde pode ficar sozinho ( «It never ocurred to me thata I had brought him here not just to show him my little world, but to ask my little world to let him in», p.77), e o beija; e Oliver não quer falar sobre isso. Não pode falar sobre isso. E temos uma nova visão de Oliver, ou que Elio tem uma nova visão de Oliver. Um homem que não parece ter quaisquer amarras e teria uma liberdade de vícios, como poker e sexo, mas que é aprisionado pela idade, pela carreira, pelo pai, por algum trauma.
Esta falta de restrições em Elio pode estar relacionada ao facto deste ser mais jovem e não ter muito a perder, principalmente se ninguém souber. No entanto, Elio usa Marzia, uma amiga que está interessada nele, para chamar a atenção de Oliver, não havia necessidade nenhuma de clamar ao pai e ao Oliver que ele tinha perdido a virgindade. E ele sabe o que faz. Cada vez que está a entrar numa espiral de tortura de ouvir os passos de Oliver e pensar no que este estará a fazer, Elio recorre a Mariza. Recorre a Marzia pensando no Oliver.
No entanto, mesmo com a dança e as provocações de Elio a serem evitadas por Oliver, esta parte acaba por culminar no ato sexual. E vemos que Elio arrepende-se de o fazer. Sente repulsa e só quer afastar-se de Oliver, o que o magoa, pois este sente-se bem depois do sexo, mas tinha um medo prévio de Elio se sentir assim; os sentimentos pós-coito de Elio confirmaram estes medos. O arrependimento pode ter vindo de, por vezes, os pensamentos sexuais que temos parecerem melhores e mais intensos quando são privados. É um fruto proibido, é um «não» que sabe bem, até o fazermos. Como pensar comer pizza a semana inteira e quando comemos sentimos uma forte sensação de deceção forte. Mas não parece só isto. Parece ser condicionado por uma norma social uma homofobia derivada de uma homossexualidade ou, neste caso, bissexualidade reprimida. E faria sentido. Num dos muitos jantares que o pai de Elio dá, um casal de acadêmicos homossexuais, de Chicago, estão presentes. E, enquanto o pai e mais ninguém parece-se importado com isso, Elio faz piadas com a cor das blusas que iriam usar, claramente inclinando-se para estereótipos que podem perpetuar uma visão negativa de homossexuais («My father had warned me not to misbehave in the presence of the scholars from Chicago. I said I would wear the purple shirt given me by a distant cousin from Uruguay. My father laughed it off, saying I was too old not to accept people as they were.», pp.124-125). Algo que o Elio não sente é uma «normalidade», pois depois do sexo, em que ele é o bottom, aquilo que ele quer é uma situação vista como normal, ser normal, não bastaria ser o filho do professor que fala italiano, francês e inglês, transcreve música fluentemente, e convive com pessoas que não são da sua idade, como a mãe lhe faz o favor de o relembrar? Ainda teria de ser o rapaz que se destaca numa sociedade dos anos 80 que não aceitaria casais do mesmo sexo. Se calhar é por isso que memórias de paixonetas dos 15 anos por outros rapazes estivessem reprimidas. É aqui que Oliver começa a seduzir Elio, a usar o seu fato-de-banho, para poder ter alguma reação.
A cena do pêssego, que se tornou tão controversa com a popularidade do filme, em que Elio penetra um pessêgo, que parece tão errado e proibido, tem bastante significado dentro da história, não é apenas para fomentar choque no leitor. É aqui que ele se aceita, aceita a sua bissexualidade. Aceita o que seria considerado errado e proibido, o que seria tabu. Que se aceita como o dominante nas relações sexuais. O pêssego é um símbolo para Homem e Mulher. Oliver e Marzia. «The peach was soft and firm, and when I finally succeed in tearing it apart with cock, I saw that its reddened core reminded me not just of an anus but of a vagina.»
A segunda parte acaba com uma viagem por Roma antes de Oliver ter de voltar à América. A relação deles está estável, escondida nos cantos e recantos de passeios de bicicleta e conversas e livros e camas. Estão na mesma página com tudo. Um e o mesmo. Pertencendo um ao outro e com todas as inseguranças arrumadas, principalmente sobre a vida boémia de Oliver, que afinal era não-existente, os seus desaparecimentos eram uma forma de se afastar de Elio e de lhe dar espaço.
A terceira parte, The San Clemente Syndrome, é uma descrição da vida bucólica e boémia dos dois. Este é homónimo de um poema de um livro de Alfredo, um poeta que foi a B. e a Roma, denominado S’lamore. Esta parte compara a vida com a vida da cidade, ou amor com a vida da cidade, com algo novo para descobrir e música a flutuar por entre edifícios que vemos sob um novo olhar e que nos constroem. Mas ao fim ao cabo, não é o amor vida? Amor pelas coisas pequenas e por pessoas, amigos, familiares, momentos marcantes? Não é a nostalgia tão dolorosa precisamente por ser saudades do amor e pessoas e memórias essenciais na nossa construção?
A quarta parte, Ghost Spots, é como o nome indica o fim da relação, depois de Oliver partir para a América, e todos os sentimentos que advêm desse fim. Os sentimentos que preenchem corações, quando duas se afastam mesmo quando existem promessas telefónicas e escritas, e não querer sentir essa dor, de nostalgia cortante enquanto veem as memórias gravadas nos sítios, como os olhos de Oliver na janela, ao mesmo tempo que não se quer deixar de sentir, porque deixar de sentir seria a mesma coisa que largar e deixar ir as melhores partes desse amor, e não viver. « But to feel nothing so as not to feel anything—what a waste!», p.224.
Nesse mesmo ano, Oliver volta para celebrar o Natal e ajudar a escolher o seu predecessor; Elio ainda o quer, ainda o ama, ainda se lembra de tudo, cada toque, cada pensamento, cada noite, mas existe uma enorme mudança na dinâmica. Oliver, mesmo que o queira, já não pode ir por esse caminho. Está noivo. Todas as promessas de Roma caem por terra. Como acontecem sempre, quando se diz que iremos tentar tudo para manter contacto.
Esta parte acaba com múltiplos saltos temporais. Durante nove anos, Elio torna-se «promíscuo», partilhando a sua cama com homens e mulheres, com pouca ou muita impacto na sua vida. Até que Oliver volta, com dois filhos, e com a intimidade do «call me by your name» esquecida. Ou assim Elio pensa. Depois de um segundo salto, desta vez de quatro anos, Elio visita a faculdade de Oliver, e eles acabam por falar do passado, chegando a uma conclusão: Depois de se afastarem, Oliver nunca se esqueceu de Elio nem Elio se esqueceu de Oliver, simplesmente têm estado a viver como se estivessem dormentes para tudo. Tentando substituir ou reprimir os sentimentos que nunca desapareceram.
O livro consegue captar bem as nuances dos primeiros amores, dos amores que marcam, da intimidade completa entre duas pessoas.
«Usually, I’d cast a glance and then look away – look away because I didn’t to swim in the lovely, clear pool of his eyes unless I’d been invited to – and I never waited long enough to know ether I was even wanted there, look away because I was too scared to stare anyone back; look away because I didn’t want to give anything away; look away because I couldn’t acknowledge how much he mattered», p.78.
O nome da obra não é apenas o nome do «jogo» entre ambos, mas um símbolo dessa intimidade. Somos duas pessoas diferentes, mas somos a mesma pessoa, como yin yang, tenho um pouco de ti em mim, e tu tens um pouco de mim em ti, tanto que nem te consigo reconhecer como outra pessoa, mas como se fosses uma extensão de mim, uma extensão de uma sincronia que nunca imaginaria puder existir, como se soubesse o que pensas mesmo antes de o pensares.
«The dream had been right – this was like coming home, like asking, Where have I been all my life? which was another way of asking, where were you in my childhood, Oliver?, which was yet another way of asking, What is life without this? which was why, in the end, it was I, and not he, who blurted out, not once, but many, many times, You’ll kill me if you stop, you’ll kill me if you stop, because it was also my way of bringing full circle the dream and the fantasy, me and him, the longed-for word from his mouth to mouth, which was when I must have been using obscenities that he said, “Call m by your name and I’ll call you by mine,” which I’d never done in my life before and which, as soon as I said my own name as though it were his, took me to a realm I never shared with anyone in my life before, or since.», pp. 133-134.
É necessário questionar, principalmente tomando em conta os saltos temporais, se estes sentimentos de intimidade e se o acontecimentos descritos terão acontecido. A obra faz-me lembrar uma carta de resolução ou uma entrada num diário de um Elio mais velho, como tal, existe a possibilidade de a passagem do tempo ter tingindo de cor de rosa essas janelas de memórias e, assim, esta intensidade de sentimentos provém não da relação dos dois, mas da estima e afeto dessas memórias e das fases iniciais da descoberta, quando mais ninguém sabia para além de Elio. Este sentimento pode ser justificado por uma entrevista a André Aciman, em que este fala do seu processo criativo. O facto de ter reinterpretado, de certa forma, a sua infância e adolescência poder ter tingido com nostalgia a obra, mas sendo a nostalgia a substância que lhe dá vida, foi uma ótima «decisão» inconsciente: «But as I kept writing about Italy I was not unaware that I was basically turning back the clock by more than three decades to my own childhood growing up in Egypt. Without an Egypt transposed on to the Italian shore, none of Call Me by Your Name would have been possible. The pages I was writing were letting me take my family’s beach home in Egypt, and everyone in it, to Italy. My difficult parents, slightly altered now, were shipped to Italy as well. My late adolescence, which bristled with so many unfulfilled desires, also landed on the Italian shore.»
A leitura da obra pode levantar dificuldades para alguns leitores que não estejam habituados a uma leitura repleta de adjetivos, comparações, metáforas e referencias a obras clássicas, peças de teatro, história, línguas diferentes, como italiano e francês, arte, entre outros. É necessário um conhecimento de cultura geral ou um telemóvel com rápido acesso à internet, embora o livro peça uma imersão completa e não pausas de Wikipédia.
Uma crítica que é bastante comum a esta obra é a da diferença de idades, pois Elio tem 17 e Oliver tem 24 anos. Não acho que seja um problema. Não existe um aproveitamento de Elio por parte de Oliver, tirando numa passagem sexual, depois de consumarem a relação, que pode ser vista com esses olhos, pois Oliver não toma em conta os sentimentos de Elio («“Take your trunks off.” This was strange, but I didn’t have it in me to disobey. So I lowered them and got out of them. It was the first time I’d been naked with him in broad daylight. I felt awkward and was starting to grow nervous. “Sit down.” I had barely done as I was told when he brought his mouth to my cock and took it all in. I was hard in no time. “We’ll save it for later,” he said with a wry smile on his face and was instantly gone. Was this revenge on me for presuming to be done with him)» ), mas foi Elio a iniciar a relação e a falar com Oliver. Na minha opinião, uma relação, a partir dos 17 anos, não deveria ser analisada apenas através da idade, mas a maturidade também deveria ter um papel importante. Elio descreve-se a si próprio, assim como os amigos e familiares, como mais maduro do que a sua idade, em larga parte devido aos círculos de académicos do pai. Como tal, é necessário ter esse aspeto em conta, principalmente porque não é falado do aniversário dele, mas a diferença de mentalidade entre os 17 e os 18 não existe. Só a legalidade. E, mesmo dentro desta legalidade, podemos observar dinâmicas de poder abusivo perpetuados por um parceiro mais novo ou sobre alguém com problemas cognitivos.
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